Mudança sobre ITCMD na reforma tributária provoca corrida por planejamento sucessório

Mudança sobre ITCMD na reforma tributária provoca corrida por planejamento sucessório

Escritórios de advocacia apontam aumento médio de 40% nas demandas para doação em vida.

A aprovação da reforma tributária no Brasil está promovendo uma corrida dos contribuintes para fazer doações em vida e planejamentos sucessórios este ano. 2024 é visto como a última chance para aproveitar as regras vigentes do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) antes das mudanças já aprovadas pelo Congresso Nacional. Em média, o a o aumento das demandas nos grandes escritórios de advocacia, nesses primeiros dois meses do ano, é de 40%.

Com a aprovação da reforma, o ITCMD, que incide sobre heranças e doações, passará a ter, obrigatoriamente, no país inteiro, uma alíquota progressiva. Na prática, ela aumentará de acordo com o valor do patrimônio, o que trouxe preocupação especialmente para os mais ricos. O resultado disso poderá significar o dobro de imposto para patrimônios acima de R$ 9,9 milhões, em São Paulo, por exemplo.

A movimentação nas bancas também está agitada porque a reforma tributária permitiu que os Estados cobrem o ITCMD sobre doações ou heranças provenientes do exterior. “Essas discussões fiscais aumentam mais a demanda justamente porque geram um impacto direto no bolso dos clientes”, diz o advogado Rafael Stuppiello de Souza, do Machado Meyer Advogados.

A alíquota do ITCMD continua a variar entre 2% e 8% no país. Mas Estados como São Paulo, Alagoas, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e Roraima, que hoje têm alíquota fixa, terão que aprovar novas legislações para a cobrança progressiva, a ser progressiva, variando de 2% a 8%, considerando o valor dos bens envolvidos.

Em São Paulo, a arrecadação de ITCMD é significativa. Em 2023, entraram nos cofres públicos do Estado cerca de R$ 4 bilhões no total. Mas só em janeiro deste ano foram arrecadados R$ 219,5 milhões, um aumento de 34,1% em comparação ao mesmo mês de 2023, diz o Relatório da Receita Tributária do Estado.

Existe a possibilidade da chamada doação com reserva de usufruto – no qual o doador mantém os poderes políticos e financeiros do bem, enquanto estiver vivo. Esses contratos de doação,  normalmente, são acompanhados de cláusulas de inalienabilidade – o bem doado não pode ser vendido sem expressa anuência do doador, até sua morte.

Também é possível incluir cláusula de incomunicabilidade – no qual o bem doado não integrará o patrimônio do cônjuge do sucessor – e cláusula de impenhorabilidade – para garantir que os bens doados não possam ser penhorados para quitar dívidas do sucessor. “Essas disposições conferem extrema segurança ao doador e ao patrimônio doado”.

A procura por planejamento sucessório também é cada vez mais diversa. O brasileiro não tinha cultura de falar no assunto mas, com a pandemia, esse tabu foi quebrado, de acordo com as advogadas Giuliana Schunck e Fernanda Haddad, do Trench Rossi Watanabe. A elaboração de testamentos, só na pandemia, chegou a subir 35%, segundo o Colégio Notarial do Brasil. “Antes eram só as famílias com grande poder aquisitivo que faziam, agora as que têm um poder aquisitivo nem tão relevante também fazem” diz Giuliana. “Ninguém quer deixar o problema para os herdeiros”, afirma.

A conversa sobre a possibilidade de doação em vida nunca teve tanta relevância, segundo Joanna Rezende e Natalia Zimmermann, sócias de Wealth Planning do Velloza Advogados. “Os patriarcas brasileiros têm a cultura de achar que o dinheiro é seu e é ele quem manda, o que está certo, mas passaram a cogitar a doação em vida de uma forma que possa proteger essa doação”, diz Joana.

As advogadas afirmam que a demanda, nesse momento, surpreendeu porque, em geral, as pessoas deixam essas decisões para o fim do ano. Para elas, o ano inteiro deve ser intenso de trabalho porque, ainda que o projeto de lei em São Paulo (Projeto de Lei nº 7, de 2024) seja aprovado até dezembro, só poderia valer em 2025.

Elas também lembram que os Estados devem voltar a exigir o ITCMD sobre bens e heranças provenientes do exterior. 24 Estados cobravam, porém, em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que só uma lei complementar nacional poderia permitir a cobrança (RE 851.108, ou Tema 825). Agora, a reforma tributária autoriza a exigência pelos governos estaduais.

Existe ainda o risco de aumento da alíquota máxima do imposto. Isso porque tramita no Senado o Projeto de Resolução n° 57, de 2019, que prevê dobrar esse percentual, de 8% para 16%. “Muitos não querem que seus herdeiros corram esse risco. As pessoas têm vindo mais decididas em razão de um eventual aumento de ITCMD”, diz o advogado Rafael Stuppiello de Souza.

Apesar das recentes mudanças decorrentes da reforma tributária, o peso da tributação sobre heranças e doações no Brasil ainda é muito menor do que em outros países. Ao levar em consideração as 25 maiores economias do mundo, o Brasil aparece na sexta posição.

O primeiro lugar é do Reino Unido, que tem alíquota de 40% para a transmissão de bens para pessoas não descendentes. Em seguida está China, Japão, Holanda e Coreia do Sul, com o teto de 10%. Depois, aparece o Brasil com 8% e a Espanha com 7,65%. O levantamento foi realizado pelo Sistema Operacional Fiscal com Inteligência Artificial (Sofia), que processa e interpreta dados tributários e jurídicos globais.

De acordo com Roger Mitchel, criador do Sofia e CEO do escritório Contabilidade Internacional, esses dados, contudo, não podem ser vistos isoladamente. Isso porque cada país tem seus mecanismos de cobrança. “Apesar de o Brasil não ter uma das alíquotas mais altas, nenhum outro país tem o processo de inventário judicial”, diz. “Somando os custos de um inventário com os de ITCMD, isso pode chegar a até 37% de alíquota”, afirma.

FONTE: VALOR O GLOBO, Março/2024.

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