Análise: É o fim do ESG? Sob pressão, bancos e gestoras reveem apoio à causa

Análise: É o fim do ESG? Sob pressão, bancos e gestoras reveem apoio à causa

Há questões políticas e oportunidades de negócios num mundo não tão limpo assim

A gestora de recursos BlackRock foi uma das grandes responsáveis por tornar o termo ESG (sigla em inglês para padrões ambientais, sociais e de governança) badalado entre investidores do mundo todo. O CEO da asset, Larry Fink, tornou-se advogado da causa nos últimos anos. Agora, o jogo virou.

Não é que a casa tenha recuado desse objetivo, mas passou a tratá-lo em outros termos, num momento em que outros investidores e bancos globais também titubeiam em abraçar para valer as políticas sustentáveis.

Ninguém, naturalmente, quer poluir sua imagem com a pecha de inimigo do clima, e continua havendo medidas sinceras e muitos recursos fluindo para projetos de transição energética. Mas também há questões políticas e oportunidades de negócios num mundo não tão limpo assim.

De um lado, as cotações do barril de petróleo estão em torno de US$ 80, depois de terem caído abaixo de US$ 50 na pandemia, o que dá força ao setor. De outro, há uma enorme pressão política dos republicanos nos Estados Unidos contra o que se convencionou chamar de “capitalismo woke”, ou pautas relacionadas a clima e justiça social e racial.

Um crescente número de investidores tem questionado se as gestoras de recursos estão cumprindo seu papel de maximizar retornos quando definem que só vão aplicar recursos em ativos aderentes aos princípios ESG. De acordo com o “Financial Times”, as captações de fundos “verdes” caíram para US$ 37,8 bilhões no ano passado, depois de terem atingido o recorde de US$ 151 bilhões em 2021.

Um terceiro fator é que a própria expressão ESG começou a ficar esvaziada porque, no mundo corporativo, tudo passou a ser “verde” e, ao mesmo tempo, pouca coisa é na prática (o chamado “greenwashing”).

Diante desse cenário, do ano passado para cá, o setor financeiro começou a rever sua abordagem nessa seara. Em termos práticos, ficou claro que não se trata de demonizar as empresas de combustíveis fósseis. A nova abordagem é financiá-las na transição para o “carbono zero”.

É, de certa forma, o que tem feito a BlackRock. Como mostrou reportagem da agência Dow Jones Newswires publicada ontem pelo Valor, a gestora parou de usar o termo ESG e passou a falar em “investimentos de transição”. É só uma expressão diferente, mas não deixa de ser um passo significativo.

A própria BlackRock deixou recentemente de ser associada do grupo de investidores Climate Action 100+, transferindo a participação a uma unidade internacional. No mês passado, J.P. Morgan Asset Management e State Street deixaram o órgão — do qual também fazem parte Bradesco Asset Management, BB Asset e JGP. Outras iniciativas do gênero têm sofrido revés semelhante, com a saída de representantes de peso.

A Aliança Bancária Net Zero (NZBA), apoiada pelas Nações Unidas, propôs mudanças em suas diretrizes para evitar baixas de associados, segundo reportagem publicada ontem pela agência Reuters. Agora, a orientação é que as instituições financeiras divulguem mais informações sobre seus compromissos relacionados às mudanças climáticas, mas sem exigir atuações coordenadas entre eles. A NZBA tem 143 associados, como Bank of America, Citi e HSBC. Bradesco, Itaú Unibanco e Santander também estão lá.

No Brasil, a questão energética se soma à do agronegócio sustentável. Em 2020, os três maiores bancos privados do país lançaram o Plano Amazônia, contemplando medidas para conservação ambiental e desenvolvimento da bioeconomia, investimentos em infraestrutura sustentável e preservação de direitos da população dessa região.

No ano passado, a Febraban anunciou uma autorregulação para combater o desmatamento ilegal na Amazônia, com a sinalização de que as instituições financeiras poderão negar crédito a frigoríficos que comprarem gado vindo dessas áreas. As regra entram em vigor no fim de 2025. Na ocasião do lançamento, alguns frigoríficos criticaram o fato de que, apesar da exigência imposta, os próprios bancos poderão manter contas desses clientes.

O Banco Central (BC) também tem regras para as instituições financeiras gerenciarem, monitorarem e mitigarem, se for o caso, seus riscos climáticos.

Ao mesmo tempo, há uma busca por equilíbrio do lado regulatório. Bancos em todo o mundo passarão a ter de divulgar sua exposição a esses riscos, conforme regra que entrará em vigor em 2026. O Banco de Compensações Internacionais (BIS, conhecido como o banco central dos bancos centrais) tenta, com isso, acompanhar quais as chances de ativos que tendem a “morrer” com a descarbonização — como uma térmica a carvão, por exemplo — se tornarem inadimplentes e desencadearem uma crise financeira.

Do lado de investidores, gestores e bancos, esse certamente é um risco que incomoda. Mas não só. O fato é que eles não acham que são os únicos que têm de pagar a conta.

Num evento no fim do ano passado, Scott Galloway, professor de marketing da NYU Stern School of Business, disse que o ESG foi transformado “em arma” para dar a impressão de que os mercados poderiam resolver todos os problemas sem ônus, quando serão necessárias leis, regulamentações e alguma mudança na forma como as pessoas vivem.

“Esta noção de que algum garoto num dormitório do MIT [Massachusetts Institute of Technology] vai inventar uma tecnologia para resolver as mudanças climáticas, essa visão de que todos ficaremos ricos enquanto resolvemos as mudanças climáticas… É uma maneira muito americana, capitalista e idiota de ver o mundo”, afirmou.

FONTE: Valor, Março/2024.

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