ISOLAMENTO DE LULA, BRIGAS INTERNAS E FALHAS NA ARTICULAÇÃO GERAM PREOCUPAÇÕES ENTRE ALIADOS

ISOLAMENTO DE LULA, BRIGAS INTERNAS E FALHAS NA ARTICULAÇÃO GERAM PREOCUPAÇÕES ENTRE ALIADOS

NO CONGRESSO, APOIADORES DO PRESIDENTE JÁ COBRAM NOS BASTIDORES MUDANÇAS DRÁSTICAS, INCLUSIVE NO NÚCLEO DURO DO PALÁCIO.

O isolamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as brigas internas e a problemática articulação política do Planalto estão provocando desânimo entre aliados de peso no Congresso e também na Esplanada em relação aos rumos do governo. No Congresso, aliados do presidente já cobram nos bastidores mudanças drásticas, a começar pelo núcleo duro do Palácio. No entorno de Lula, porém, não há expectativa de que isso aconteça antes das eleições municipais.

A devolução da MP do PIS/Cofins pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na semana passada, expôs mais uma vez as falhas na articulação e contribuiu para azedar de vez o clima entre os dois ministros mais fortes do governo: Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda).

Segundo fontes ouvidas pelo Valor no Congresso, no Planalto e na Esplanada, o episódio contribuiu para aumentar a sensação de que o governo está sem rumo. E de que a disputa de poder entre Rui Costa e Haddad tornou-se um problema que fragiliza ainda mais o já combalido diálogo com o Legislativo.

Lula assinou a MP proposta por Haddad no dia 4 de junho, quando Rui Costa estava na China com o vice-presidente Geraldo Alckmin. Embora firmada pelo presidente, a medida não tinha o respaldo do setor privado nem tampouco de Rui Costa e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

O texto restringia acesso a créditos tributários do PIS e do Cofins como forma de compensar os R$ 26 bilhões que deixarão de ser arrecadados com a desoneração da folha de pagamento. Mas gerou fortes reações de setores como o agro e o mercado de combustíveis.

Interlocutores admitem que Haddad enviou a MP sem dialogar com os empresários “para forçar uma solução”. Mas ficou insatisfeito pela maneira com que a medida foi anulada. O ministro, por exemplo, ficou sabendo pela imprensa da decisão de Lula de retirar a MP caso ela não fosse devolvida por Pacheco, após as declarações do presidente da CNI (Confederação Nacional da Agriculturua).

A fala, logo após uma reunião de Alban com Lula e Rui Costa, gerou a sensação, na equipe econômica de que foi feita sob medida para “fritar” Haddad, com as digitais do titular da Casa Civil. Rui Costa, por sua vez, tem se queixado a auxiliares de que Haddad lhe atribui responsabilidade sempre que algo sai errado.

No Congresso, aliados dizem sob reserva que não entendem a relação de Haddad e Rui Costa. E veem semelhanças na “fritura” a que Haddad foi submetido, por exemplo, com o processo que levou à queda do presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates. Em atrito com o PT, Rui Costa e Silveira , Prates acabou demitido em maio.

A falta de uma figura centralizadora no governo gera uma crise de confiança, e os parlamentares não sabem em quem confiar para levar demandas. Eles apontam ainda como prejudicial o fato de o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, estar rompido com presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Alguns senadores, com muitos anos de Casa, dizem que não têm acesso ao presidente nem são acionados para ajudar e não sabem como contribuir. E, veladamente, fazem críticas ao estilo do presidente nesta atual gestão.

Reclamação recorrente é que Lula poderia receber deputados e senadores com maior frequência para que os aliados pudessem ao menos tirar uma foto com ele. Mas o problema parece ir além da falta de reuniões reservadas. Na última semana, em sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), alguns senadores conversavam sobre o fato de que a presença de parlamentares em eventos no Palácio do Planalto diminuiu. A constatação é que não há mais um incentivo do Planalto, como havia no passado, para que os congressistas compareçam a esse tipo de atividade.

Em outro episódio, o senador Omar Aziz (PSD-AM) fez uma brincadeira com o senador Ciro Nogueira (PP-PI), hoje bolsonarista, no café do plenário do Senado. “O Lula quer falar contigo, Ciro”, disse Aziz. “Falar como? Ele não usa nem celular!”, reagiu Nogueira.

Até mesmo os presidentes das Casas Legislativas precisam, para falar com Lula, recorrer antes à primeira-dama, Janja da Silva, ou ao chefe de gabinete, Marco Aurélio Ribeiro, o Marcola, uma vez que o presidente não tem celular.

Nos seus dois primeiros mandatos, entre 2003 e 2010, Lula tinha ao seu redor petistas históricos, com cacife para negociar e poder de articulação, como José Dirceu e Antonio Palocci. Dilma Rousseff, embora com menos traquejo político, é descrita como chefe da Casa Civil que tratava todos os temas minuciosamente. Isso, na descrição de fontes da Esplanada, ajudava a dar um rumo ao governo. Hoje, notam aliados, ninguém no Planalto chama o mandatário de “Lula”, mas de “senhor presidente”.

Lula também costumava ouvir mais os “tubarões do Congresso” aliados a ele. Agora, parece mais isolado, reunindo-se para tratar de temas do Legislativo com Rui Costa, Padilha e seus líderes no Congresso, sem ouvir mais ninguém.

A percepção no Palácio do Planalto é que o presidente está hoje muito mais voltado à agenda internacional do que aos problemas cotidianos da política. O contraste com o Lula 1 e 2, em que ele atuava diretamente na relação com o Congresso e na mediação de conflitos no governo, é visível. Na visão de aliados, isso prejudica ainda mais o governo, em um contexto de Congresso fortalecido pelo controle do Orçamento e predominantemente conservador.

Aliados apontam ainda para a falta de uma “marca” para o governo atual, como foi o Bolsa Família no Lula 1 e “espetáculo do crescimento” verificado no Lula 2.

Até mesmo um importante parlamentar do PT afirma que, da forma que está, o governo vai acabar sendo lembrando como uma gestão “indiferente”.

FONTE: Valor Globo, Junho/2024.

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