ATA COMPATÍVEL COM FIM DO CORTE DE JUROS

ATA COMPATÍVEL COM FIM DO CORTE DE JUROS

Argumento de que o corte de 50 pontos-base ainda manteria a política monetária suficientemente contracionista destoa da importância atribuída à reancoragem em um momento em que as projeções para prazos mais longos tem aumentado.

A missão de um banco central sob o regime de metas de inflação só está cumprida quando as expectativas para prazos mais longos estão ancoradas no centro da meta. Desvios da inflação para prazos mais curtos são justificáveis, pois a reação de política monetária para sua convergência imediata embute, muitas vezes, um sacrifício não tolerável pela sociedade. Nesse caso, a resposta adequada é a de acomodar os efeitos de primeira ordem na inflação e reagir aos efeitos de segunda ordem de forma a promover, mais adiante, a volta da inflação para sua meta. Essa reação é acompanhada, em geral, por expectativas de inflação de curto prazo mais altas, mas com projeções de médio prazo estáveis na meta.

Desde a adoção do regime de metas de inflação em 1999, o Banco Central tem enfrentado desafios para o cumprimento da sua missão. Esses 25 anos foram marcados por recorrentes repiques inflacionários por conta de crises financeiras, choques domésticos, experimentos econômicos e uma trágica pandemia. Com a inflação acima do centro da meta durante a maior parte desse período, os diversos governos optaram por uma lenta redução da meta, que só alcançou o patamar médio de mercados emergentes que adotam esse regime agora em 2024, duas décadas após o planejado – a expectativa em 2001 era de que a meta para 2004, a ser definida em 2002, seria de 3%.  A crença equivocada de membros de diversas gestões de que uma menor inflação impediria um maior crescimento afastou a vontade política de redução mais rápida da meta.

Apesar dos obstáculos, as projeções de inflação para os 12 meses seguintes têm convergido gradualmente para o centro da meta, com a mediana das previsões do Focus de 10 de maio em 3,61%. Essa dinâmica respaldou a decisão do Copom de iniciar o afrouxamento monetário em agosto de 2023, com a taxa Selic diminuindo de 13,75% para 10,75% em março deste, mesmo com a estabilidade das previsões de inflação para os próximos anos em 3,5%.

A ampliação recente dos riscos globais e domésticos ampliou a desconfiança sobre a ancoragem em 3% das projeções para prazos mais longos – mediana das expectativas para 2025 aumentou para 3,66% no Focus de 10 de maio. Essa incerteza levou o Copom a reduzir o ritmo de corte de juros de 50 pontos-base (pb) nas reuniões anteriores para 25 pb em maio, com a taxa Selic alcançando 10,5%.

Apesar de ter reforçado que “a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”, o comunicado da reunião de maio falhou ao não dirimir dúvidas geradas pela discordância na sua votação. Essa ausência de explicações enfraqueceu a sinalização sobre a necessidade de reagir à perda de ancoragem das expectativas, tendo causado declínio dos preços dos ativos, aumento da inclinação da curva de juros e depreciação cambial.

A ata divulgada em 14 de maio buscou dirimir essa falha de comunicação, sendo firme sobre o “compromisso com o atingimento da meta de inflação e entende o papel fundamental das expectativas na dinâmica da inflação”, o balanço de riscos para a inflação mais negativo, bem como as consequências desfavoráveis do descolamento das projeções de inflação para prazos mais longos. Embora “compartilhando ainda do firme compromisso com o objetivo fundamental de atingimento da meta e de reancoragem das expectativas”, os quatro diretores que votaram a favor do corte de 50 pb julgaram que a mudança de cenário não teria sido suficiente para justificar o risco reputacional do não cumprimento do do “forward guidance” do comunicado e da ata de março. Esses membros apontaram ainda que as projeções de inflação seriam mais afetadas pela taxa de juros terminal do que pelo ritmo de corte nessa reunião e, portanto, seria melhor apenas sinalizar um menor corte de juros a partir de junho.

DECISÃO DE INTERROMPER CICLO DE AFROUXAMENTO MONETÁRIO NA REUNIÃO DE JUNHO PARECE MENOS DIFÍCIL NO ATUAL CENÁRIO

As justificativas sobre o custo reputacional de não seguir o “forward guidance” são frágeis, pois o instrumento é, por definição, condicionado à realização de um determinado cenário prospectivo. Conforme reconhecido pelo presidente da instituição semanas antes da reunião de maio, houve alteração desse cenário. Como a indicação, portanto, deixou de  ter valor, não havia risco de “redução do poder das comunicações formais do Comitê”. Do mesmo modo, o argumento de que o corte de 50 pb ainda manteria a política monetária suficientemente contracionista destoa da importância atribuída à reancoragem em um momento em que as projeções para prazos mais longos têm aumentado.

A forte defesa da ata sobre essa ancoragem é irretocável. Não obstante, a ata parece mais compatível com uma decisão de estabilidade dos juros em 10,75% do que com um corte de 25 pb. Além disso, a comunicação deveria ter sido mais clara, explicitando a possibilidade de interrupção do afrouxamento monetário na reunião de junho, na eventualidade, dentre outras razões, da elevação significativa das projeções de inflação para prazos mais longos, independentemente de um comportamento benigno da inflação corrente.

Uma explicação mais detalhada facilitaria a compreensão sobre essa eventual decisão, que estaria totalmente de acordo, por exemplo, com a correta argumentação do presidente Lula de que a inflação alta é especialmente prejudicial para os mais pobres, que não têm instrumentos de defesa contra a perda do seu poder de compra.

A interrupção do ciclo de afrouxamento monetário na reunião de junho, com estabilidade da taxa Selic em 10,5%, parece uma decisão em linha com o teor da ata, sobretudo quando o Copom reconhece os custos para a ancoragem das expectativas de inflação advindos das dúvidas “acerca do compromisso da autoridade monetária com o atingimento da meta ao longo dos anos”. A decisão seria um pouco menos difícil no atual cenário em que o custo para a atividade de uma política monetária mais conservadora parece baixo – o crescimento do PIB pode superar 2,5% pelo terceiro ano consecutivo, com condições do mercado de trabalho ainda mais favoráveis nos próximos meses.

Por Nilson Teixeira

Ph.D. em Economia pela Universidade da Pensilvânia e mestre em Economia pela PUC-RJ

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