PROTEJA SUA EMPRESA DA PEJOTIZAÇÃO MASCARADA
No cenário dinâmico do mercado de trabalho, muitas empresas buscam flexibilidade e eficiência através da contratação de prestadores de serviços que operam como Pessoas Jurídicas (PJs). No entanto, a mera formalização de um CNPJ não garante a ausência de vínculo empregatício. A “pejotização”, termo que descreve a contratação de PJ para mascarar uma relação de emprego, é um risco real e crescente, especialmente quando a contratada é uma Sociedade Individual.
Este artigo visa alertar gestores e empresários sobre os perigos e as nuances jurídicas envolvidas na contratação de Sociedades Individuais, como o Empresário Individual (EI) e a Sociedade Limitada Unipessoal (SLU), para a prestação de serviços, com foco particular na sensível área da representação comercial.
O Que Caracteriza o Vínculo Empregatício?
Para a Justiça do Trabalho, a existência de um vínculo de emprego não depende do que está escrito em um contrato, mas sim do que acontece na prática. Os elementos que, juntos, configuram uma relação de emprego, conforme o Art. 3º da CLT, são:
- Pessoa Física: O serviço é prestado por um indivíduo, uma pessoa natural.
- Pessoalidade: O serviço deve ser executado apenas por aquele indivíduo específico, não podendo ser delegado a terceiros.
- Não Eventualidade/Habitualidade: A prestação dos serviços é contínua e integra as atividades essenciais da empresa contratante.
- Onerosidade: Há uma remuneração pela prestação do serviço.
- Subordinação Jurídica: O prestador está sujeito ao poder diretivo, fiscalizatório e disciplinar da empresa contratante, recebendo ordens e cumprindo determinações.
SOCIEDADE INDIVIDUAL: UM RISCO AMPLIFICADO
A contratação de uma Sociedade Individual para a prestação de serviços é um ponto de atenção para a Justiça do Trabalho. Nestes modelos, a Pessoa Jurídica se confunde diretamente com a Pessoa Física do prestador, tornando-se mais fácil para um juiz desconsiderar a PJ e reconhecer a existência de um empregado.
Por que o risco é maior?
- Pessoalidade Indiscutível: Na maioria dos casos, quando se contrata uma Sociedade Individual, a expectativa é que o serviço seja prestado pelo único titular da empresa. Se a contratante não permite a substituição por outro profissional, mesmo que habilitado, o elemento da pessoalidade se configura de forma robusta.
- Fragilidade da Autonomia: A ausência de outros sócios ou de uma estrutura empresarial mais complexa na PJ enfraquece o argumento de autonomia do prestador, aproximando-o da figura de um empregado.
A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA: O CALCANHAR DE AQUILES DA PEJOTIZAÇÃO
Dentre os elementos do vínculo empregatício, a subordinação jurídica é, sem dúvida, o mais relevante e o mais frequente motivador do reconhecimento de emprego. Ela não se manifesta apenas por “ordens diretas”, mas também através de:
- Subordinação Hierárquica: Inclusão do prestador em organogramas da empresa, participação obrigatória em reuniões internas de equipe ou utilização de e-mail corporativo exclusivo.
- Subordinação Estrutural: O serviço prestado é essencial e permanentemente integrado à atividade-fim da contratante, sendo indispensável ao seu funcionamento.
- Subordinação Objetiva: Controle sobre a forma de execução do serviço, imposição de rotinas, horários, roteiros, uso de ferramentas de trabalho específicas da contratante, e fiscalização detalhada de desempenho.
Em setores como a representação comercial, onde frequentemente se adota uma “política comercial agressiva”, a imposição de metas diárias ou semanais, a exigência de relatórios detalhados, o uso de sistemas de CRM da contratante e a fiscalização constante podem facilmente ser interpretados como elementos de subordinação jurídica.
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL: UM CAMPO FÉRTIL PARA DISCUSSÕES
A atividade de representação comercial, embora regulamentada por lei específica (Lei nº 4.886/65), possui muitos pontos de contato com o vendedor empregado. Embora a lei presuma a autonomia do representante comercial, essa presunção é relativa. Se, na prática, os elementos do vínculo empregatício (especialmente pessoalidade e subordinação) estiverem presentes, a Justiça do Trabalho dará prevalência à CLT, desconsiderando o contrato de representação comercial e reconhecendo o vínculo de emprego.
ATENÇÃO: O BARATO PODE SAIR MUITO CARO!
Na fase de contratação, as partes geralmente estão satisfeitas com a flexibilidade e os custos menores de uma prestação de serviços via PJ. Contudo, é fundamental ter em mente que a economia inicial pode se transformar em um gigantesco prejuízo caso a Justiça do Trabalho reconheça o vínculo empregatício.
Se uma demanda trabalhista for proposta e o pleito de vínculo empregatício for julgado procedente, as consequências financeiras para a empresa podem ser devastadoras:
- Anotação na CTPS: A carteira de trabalho do “PJ” será obrigatoriamente anotada, como se empregado fosse, desde o início da prestação de serviços.
- Salários Retroativos: Todas as comissões pagas ao longo da contratação serão consideradas salários.
- Encargos Sociais e Trabalhistas Retroativos: Sobre o montante dos salários, a empresa será condenada a recolher retroativamente:
INSS (Quota Empregador e Empregado): Com multas, juros e correção monetária.
FGTS: Com multas, juros, correção monetária e a multa de 40% sobre o total do FGTS depositado, em caso de rescisão sem justa causa (que é o que geralmente ocorre após o reconhecimento do vínculo).
Férias + 1/3 Constitucional: Incluindo as proporcionais, e, se não usufruídas ou pagas no tempo certo, poderão ser em dobro.
13º Salários: Incluindo os proporcionais.
Aviso Prévio Indenizado: Equivalente a 30 dias (ou mais, conforme a lei).
Outros Direitos: Horas extras (se comprovadas), adicional noturno, feriados trabalhados, indenização por não concessão de intervalo, entre outros.
Todo esse passivo será corrigido monetariamente e acrescido de juros desde a época em que os pagamentos deveriam ter sido realizados, elevando substancialmente o montante da condenação. A suposta “economia” no início se torna um rombo orçamentário, impactando a saúde financeira da sua empresa por anos.
COMO PROTEGER SUA EMPRESA: RECOMENDAÇÕES ESSENCIAIS
Para mitigar os riscos de uma futura reclamatória trabalhista, nosso escritório recomenda as seguintes ações preventivas:
- Priorize a Contratação de PJs com Múltiplos Sócios:
Maior Barreira à Pessoalidade: Uma empresa com dois ou mais sócios sugere uma estrutura que permite a designação de diferentes indivíduos para a prestação do serviço, enfraquecendo o argumento de que a contratação visava uma pessoa física específica.
Profissionalismo Estrutural: Demonstra que o prestador é, de fato, uma empresa com divisão de riscos e responsabilidades, e não uma mera “fachada” para um prestador de serviços individual.
- Elabore Contratos Robustos e Transparentes:
O contrato deve prever expressamente a inexistência de vínculo empregatício e a autonomia do prestador.
Deixe claro que o prestador assume os riscos de seu negócio (custos operacionais, equipamentos, etc.).
A remuneração deve ser atrelada ao resultado, não à jornada de trabalho.
Garanta a liberdade do prestador na escolha dos meios e métodos para atingir os resultados acordados.
- Gerencie a Relação na Prática com Rigor:
Evite Controle de Jornada: Nunca controle horários, presença ou roteiros diários do prestador. A autonomia na organização do trabalho é fundamental.
Autonomia Operacional: O prestador deve utilizar seus próprios equipamentos e recursos. Evite integrá-lo a organogramas, e-mails corporativos exclusivos ou reuniões obrigatórias com a equipe interna.
Foco no Resultado, Não na Execução: As metas e diretrizes devem ser sobre o resultado esperado, e não sobre o modo de execução do trabalho.
Pagamento por Nota Fiscal: Realize os pagamentos mediante emissão de nota fiscal, sem descontos ou benefícios típicos de folha de pagamento.
Conclusão
A contratação de serviços via Pessoa Jurídica é uma estratégia válida, mas requer atenção e conformidade rigorosa com a legislação trabalhista. O descuido na formalização e, principalmente, na gestão prática da relação com prestadores de serviços, especialmente Sociedades Individuais, pode gerar passivos trabalhistas significativos para a sua empresa.
Proteger-se contra o risco de reconhecimento de vínculo empregatício é um investimento na segurança jurídica e na saúde financeira do seu negócio.
VLADIMIR DE MARCK
OAB/SC 8746
